Inferno e Pregação

Oliver Amorim

Filosofia Cristã
16 min readJun 1, 2024

Embora o inferno seja parte do conteúdo bíblico, e uma parte da maior importância, há aqueles que se recusam a pregar a respeito, ou que pregam hesitantemente e o mínimo possível. Mas agora já deixei claro por que isso não faz o menor sentido. O inferno não é uma doutrina embaraçosa. É uma doutrina amável e libertadora.

Uma dica: se você treme ao pensar no inferno, a pior coisa que você poderia fazer é envergonhar-se dele. Jesus disse que aqueles que se envergonharem do Filho diante dos homens — e ninguém falou mais sobre o inferno do que ele — verão Deus se envergonhando deles diante dos anjos. Sentir constrangimento com o inferno é um dos indicadores de que você irá para lá. Será a realização do seu pior pesadelo. Então, aprenda a aceitar a revelação de Deus de todo o seu coração, com alegria e sinceridade.

Há aqueles evangélicos que pensam que você nunca deve falar do inferno quando for evangelizar. São aqueles que abordam o evangelismo pelo parâmetro das “quatro leis espirituais”. Eles enfatizam “o plano maravilhoso de Deus para a sua vida” e o amor de Deus por todas as pessoas. Supostamente, falar sobre o inferno e a ira de Deus é muito assustador e irá afastar as pessoas.

Esta é a parte que eu não consigo entender: como exatamente o cristão espera que o novo convertido se sinta quando este descobrir que uma informação relevante foi deliberadamente ocultada com o fim de dar maior certeza de êxito à cooptação? Todo consumidor se sente lesado ou ludibriado quando verifica que o contrato tinha algumas letras pequenas e que havia vários “contras” que a propaganda não deixou claros. Mas isso já faz parte da cultura dos negócios, de modo que não há exatamente uma surpresa. Agora, uma religião que alega ser o único caminho da salvação e a única verdade deveria se comportar de modo bem mais honesto. É isso que qualquer um espera. Se o descrente ouve uma mensagem que é só amor e um pouquinho de arrependimento, e somente depois descobre que o cancelamento da sua filiação resulta em uma eternidade ardendo no inferno, que tipo de testemunho é esse?

Jesus não agiu assim. Ele falava abertamente do inferno não apenas para os seus discípulos mais próximos, mas para toda a multidão. Em um único sermão, o Sermão do Monte, Jesus mencionou o inferno diversas vezes e em conexão com diversas doutrinas, como a ira humana, o adultério e uma profissão de fé falsa (Mt 5.22,29; 7.19,23). Ele também disse claramente que ninguém deve começar o discipulado se não calcular bem o custo (Lc 14.28–33) — mas uma pessoa só pode fazer esse cálculo se tiver os dados certos. Assim, Jesus frequentemente rejeitava pessoas que vinham se juntar a ele sem entender o que tinham de deixar para trás (Lc 9.59–62) e deliberadamente usava palavras ofensivas apenas para espantar os falsos conversos (Jo 6.52–71). Tudo isso nos indica que devemos falar sobre o inferno na evangelização, e com a intenção de assustar mesmo, de enojar aqueles que não estão dispostos a seguir firmes até o fim. Não se engane: quando Deus ilumina o coração de um ímpio, nada irá impedi-lo de agarrar a fé. Você pode ofendê-lo e assustá-lo mil vezes por dia, e ele ainda irá voltar para Deus. O chamado do Espírito é de fato irresistível.

Curiosamente, os evangélicos que não querem assustar os descrentes com o inferno muitas vezes assustam os próprios crentes com o inferno, dando a entender que, se não evangelizarmos cada pessoa que passa por nós todos os dias, tais pessoas irão para o inferno por nossa culpa. Isso fica bem ilustrado em um vídeo que ficou muito conhecido há cerca de 15 anos chamado “A letter from hell”, disponível no YouTube. Esse vídeo fictício é a narração de uma carta que um descrente morto, na antessala do inferno, escreve para o seu amigo cristão na terra, descrevendo como ele morreu, como ele está apavorado com a iminência de ser lançado no lago de fogo, e principalmente como esse amigo poderia ter evitado isso se houvesse falado sobre Jesus para ele. Esse vídeo tem o mérito de ser realmente aterrorizante — ele retrata vividamente a consciência de alguém prestes a ser lançado no tormento flamejante eterno, e não apela para ficções tolas para gerar esse efeito.

Porém, a sua intenção de instar os crentes a realmente evangelizarem os seus amigos descrentes lança mão de um erro teológico e de um enredo inverossímil. O erro teológico é a culpa de um descrente ir para o inferno ser do crente que não evangelizou. Nada se fala sobre o pecado e a culpa pessoal do descrente. É como se o inferno fosse uma fatalidade, algo como uma lei física, e não uma sentença judicial de Deus. O descrente é um “tadinho”, e o verdadeiro monstro é o crente que falou pouco. Quanto ao enredo inverossímil, o descrente afirma que várias vezes perguntou sobre Jesus e o amigo crente é que desconversava. Eu realmente nunca vi uma situação assim. Pelo contrário, os descrentes são por natureza desinteressados em Jesus e, quando acontece de Deus mover um deles a fazer perguntas por iniciativa própria, os crentes costumam responder no melhor da sua capacidade. Quando é que um crente se recusa a falar sobre Jesus mesmo com o descrente implorando por isso? Essa situação esquisita parece ter sido elaborada justamente para tornar o erro teológico mais crível.

Portanto, se você é um cristão, saiba que cada descrente irá para o inferno pela própria culpa, uma culpa pessoal e intransferível. Eles pecaram contra Deus e rejeitaram a verdade. Isso se aplica inclusive para pessoas que nunca ouviram o evangelho. A Escritura ensina que todo homem tem conhecimento suficiente da revelação de Deus na sua consciência para condená-lo. Eles conhecem a lei de Deus, eles percebem a manifestação dos atributos de Deus na criação, mas não dão glória a ele (Romanos 1–2). Portanto, eles não são coitados. Eles merecem ir para o inferno e são responsáveis pela sua própria culpa.

Não obstante, há uma responsabilidade ministerial do cristão pelo anúncio do inferno. Deus afirma em Ezequiel:

A ti, pois, ó filho do homem, te constituí por atalaia sobre a casa de Israel; tu, pois, ouvirás a palavra da minha boca e lhe darás aviso da minha parte. Se eu disser ao perverso: Ó perverso, certamente, morrerás; e tu não falares, para avisar o perverso do seu caminho, morrerá esse perverso na sua iniquidade, mas o seu sangue eu o demandarei de ti. Mas, se falares ao perverso, para o avisar do seu caminho, para que dele se converta, e ele não se converter do seu caminho, morrerá ele na sua iniquidade, mas tu livraste a tua alma (Ez 33.7–9).

Existe uma conexão entre a responsabilidade de Ezequiel e a sua vocação profética. Ele era responsável por fazer conhecida a condenação de Deus contra os ímpios porque Deus o colocou como “atalaia” espiritual da cidade. A questão é se Deus irá exigir de nós o sangue de todo ímpio que passou pela nossa vida, caso ele morra em seus pecados sem que nós tenhamos anunciado a mensagem de arrependimento. Eu não creio que esse seja o caso, porque o texto fala de uma responsabilidade, como destaquei acima, ministerial, e os cristãos não são idênticos na sua ação ministerial. Os cristãos diferem uns dos outros no seu foco, no alvo dos seus esforços prioritários, conforme a área de gestão que Deus designou para cada um. Dificilmente o próprio Ezequiel tenha conseguido pregar sobre Deus para cada indivíduo que encontrou após o seu chamado. Na verdade, ele profetizou estando em exílio e o seu público eram os judeus que estavam exilados com ele. Os habitantes que haviam restado em Jerusalém provavelmente não o ouviram anunciar todas aquelas coisas que diziam respeito a eles. Então, quando ele denunciava o pecado dos judeus de Jerusalém, isso era para o benefício do seu público em exílio, não para aqueles ímpios sobre os quais ele falava.

Não desejo desencorajar o evangelismo de modo algum. Pelo contrário, deveríamos evangelizar muito mais do que o fazemos. No entanto, as palavras de Deus sobre a responsabilidade do mensageiro devem ser entendidas conforme o nicho ministerial que o Espírito concedeu a cada cristão. É importante ressaltar isso, porque os cristãos frequentemente tornam-se culpados do sangue dos ímpios precisamente por aplicarem a sua energia em ações evangelísticas que não são da sua responsabilidade direta em detrimento daqueles que são. Quantas vezes você já viu cristãos se empolgarem com ações de missão e evangelismo pela cidade ou por outros países enquanto negligenciam o discipulado dos seus filhos? Quantas vezes você já viu cristãos extremamente atuantes na igreja enquanto deixam a própria casa entregue ao caos, semelhantes à caricata senhora Jellyby?16 Veja, se você não é um ministro da Palavra, se você não é um missionário, mas é apenas um pai ou mãe, Deus não irá cobrar o sangue dos orientais que você não evangelizou, mas com certeza ele irá cobrar o sangue dos seus filhos se você não os disciplinar para que obedeçam a Deus. Existe um desequilíbrio perigosíssimo quando um cristão quer salvar todo mundo do inferno menos os próprios filhos. E — por que não dizer? — menos a si próprio inclusive, porque muitíssimos cristãos professos estão em risco de serem condenados ao inferno por descuidarem da própria santificação. Imagine você ser aclamado como um grande evangelista na terra apenas para ser lançado no inferno porque passou toda a vida se recusando a “cortar a mão” e “arrancar o olho” que faziam você pecar.

Assim, concluímos que, embora nem todos os descrentes do mundo sejam “problema seu”, você deve sim pregar sobre o inferno destemidamente e nos mesmos termos severos que descrevi neste livro para todos aqueles que Deus colocou sob os seus cuidados e sob a sua influência. E agora, vamos enfatizar os dois nichos ministeriais mais importantes: o dos pais e o dos pastores.

Não é de surpreender que Richard Dawkins abomine que os pais falem do inferno para os seus filhos pequenos e considere isso um abuso criminoso.17 É esperado que um ateu confuso como ele projete nas crianças cristãs o seu próprio pavor inconsciente do inferno e se intrometa em questões que ultrapassam a sua compreensão símia. O real problema é que tantos cristãos pensem como ele e omitam a doutrina do inferno da educação que dispensam aos filhos crianças, como se isso fosse de algum modo traumatizá-las, dar pesadelos ou fazê-las sentir aversão por Deus.

Essa preocupação é antibíblica e irreal. É antibíblica porque a Escritura não coloca nenhuma “classificação indicativa” para a doutrina do inferno — aliás, nem para qualquer outra doutrina. Ao contrário, nós vemos crianças presenciando cenas sangrentas e aprendendo sobre a ira concreta de Deus desde muito cedo. Observe o ritual da Páscoa, por exemplo. Na primeira vez, as criancinhas viram o pai lambuzar de sangue as laterais das portas da casa e explicar que Deus estaria matando todos os primogênitos do Egito naquela noite. Essa explicação era dada todos os anos na comemoração do êxodo, bem como no resgate de primogênitos (Ex 13.14–15). Então, a ideia de Deus matar os ímpios, inclusive matar criancinhas, já era apresentada aos filhos desde que eles aprendiam a fazer perguntas. Para elas, isso não era uma cena de terror, e sim uma festa pela libertação. Nada há de “abusivo” nisso.

Desde que o meu filho tinha 2 anos, ele aprendeu que o inferno é um lugar de fogo e dor que nunca acaba, e que Deus irá lançar Satanás, os demônios e as pessoas más lá. Depois, ensinei que nós também nascemos como pessoas más. Pergunto então: “A gente vai para o inferno quando morrer? Não, a gente vai para o céu. Por que a gente vai para o céu?”. Ele responde: “Porque Jesus nos salvou e nós o recebemos”. Foi assim que eu ensinei a ele, e nós repetíamos esse diálogo quase todos os dias. Depois que ele fez 3 anos, eu elaborei as doutrinas da criação, da queda, da depravação total, do pecado original e de como a graça de Deus e obra de Jesus nos livram do inferno que merecemos por natureza. Ele entende tudo e várias vezes faz perguntas.

Saber do inferno não é traumatizante para as criancinhas. Ir para lá é que é eternamente traumatizante. E o modo mais eficiente de garantir que o seu filho vá para lá é nunca o alertar sobre esse destino. Não há nada de errado em atemorizar o seu filho com o inferno quando ele se mostrar resolutamente desobediente. Esse aviso poderá salvar a vida dele. E mesmo se ele permanecer revoltado e depois escrever sobre como os pais cristãos são abusivos, você saberá que foi fiel diante de Deus e que o seu filho abandonou a fé por culpa dele mesmo.

Não obstante, é desnecessário ser pessimista nesse sentido. O inferno é uma doutrina libertadora para as crianças quando explicado no contexto da justiça e da graça de Deus, assim como a comemoração do genocídio dos primogênitos egípcios era para as crianças israelitas. O que há de tão pavoroso no inferno quando as crianças aprendem que Jesus as amou desde antes da fundação do mundo e as libertou dessa ira? No contexto do ensino evangelístico, o inferno é uma doutrina muito doce. Mas é um doce que mantém a gravidade e a seriedade do relacionamento com Deus.

Por essa razão, eu me oponho veementemente a todos esses produtos “gospel” feitos para crianças e a essa educação abobalhada que os pais cristãos dispensam. Eu costumo dizer que, se você quer saber se um produto cristão é apropriado para crianças, basta ler na embalagem se está escrito que é para crianças. Se sim, então não é para crianças. Quase 100% do que se faz hoje “para crianças” é um insulto por assumir que as crianças são quase tão idiotas quanto animais.18 Preste atenção nas cantigas, teatrinhos, gravuras e desenhos a que os cristãos expõem as crianças. Por acaso o “deus” apresentado nesses produtos se parece com o Deus bíblico que tortura os réprobos no fogo do inferno? Uma criança que passa os primeiros anos de vida contemplando Deus dessa maneira ridícula realmente está sendo preparada para se assustar com o inferno depois. Você criou um filho fresco, e a verdade bíblica não é para gente fresca.

Quanto ao ministério dos pastores e pregadores em geral, houve uma certa reação no início da década passada contra a abordagem evangélica descrita acima. Muito foi dito a respeito da necessidade de se pregar a ira de Deus, o problema do pecado e a condenação do inferno no ato evangelístico e nos sermões dominicais. A evangelização das “quatro leis espirituais” e as pregações “seeker-sensitive” sofreram duras críticas e muitas pessoas despertaram para o fato de que a gravidade do evangelho não estava sendo anunciada fielmente.

Não obstante, o progresso foi mínimo. Para fins de comparação, leia por exemplo o sermão Pecadores nas mãos de um Deus irado, de Jonathan Edwards. Apesar de todos os elogios que os cristãos prestam a esse sermão, quantos deles teriam culhões para realmente pregar algo desse teor? Quantos cristãos frequentam igrejas em que os pastores seriam ousados o bastante para falar como Edwards falou? Os cristãos amam elogiar atitudes em seus heróis do passado que prontamente condenariam se as vissem em homens contemporâneos. E é por isso que eles nunca serão como os seus heróis.

Os calvinistas trouxeram o inferno de volta para a mensagem cristã, mas ainda com muitas hesitações e de um modo um tanto evasivo, um bater-e-correr. Tente encontrar um pregador que não apenas menciona o inferno, mas o descreve de modo bem pictórico, como a Bíblia o faz. Tente encontrar um pregador que diz a palavra “tortura” a respeito do inferno. Tente encontrar algum que não veria problema nenhum em dizer que o inferno é a Auschwitz de Deus. Tente encontrar um que não sua de nervosismo ao falar sobre o inferno. E quantos deles falam do inferno não apenas na estrutura de um apelo evangelístico, mas como uma ameaça aos cristãos relaxados, como o autor de Hebreus faz no capítulo 10? Quantos deles falam abertamente sobre como Deus fez os réprobos para o inferno, sem pedir desculpas? Quantos deles falam pelo menos uma vez por mês sobre isso?

Vamos mais longe. Quantas igrejas você conhece que cantam louvores a Deus por ele haver criado o inferno? Quantos pastores você conhece que, no momento da oração pública, agradecem a Deus pelo inferno e rogam para que Deus abra o abismo de fogo debaixo dos pés dos ímpios da terra, mencionando por nome os mais notórios? Lembre-se de quando Jesus usou duas notícias trágicas para instar o povo a se arrepender dos seus pecados alertando-os de que, do contrário, eles “também pereceriam” como as vítimas dos eventos (Lc 13.1–5). Do mesmo modo, um pastor poderia facilmente escolher alguma notícia trágica do mundo — um bombardeio, um desabamento, qualquer coisa — e dizer “vocês sofrerão um destino muito pior nas mãos de Deus se não se arrependerem dos seus pecados”. Em vez disso, eles apenas oram por misericórdia, porque qualquer outra coisa seria insensível com a situação. Lembre-se de como Pedro e Judas reservam um espaço significativo das suas cartas para descrever o destino infernal dos falsos mestres. Quantos pastores declaram abertamente e com frequência que os hereges disfarçados de cristãos — católicos, mórmons, espíritas, testemunhas de Jeová e propagadores da antinomia e da incredulidade — irão arder no magma de Deus para sempre?

Quantos desses pastores não tentam de algum modo afastar Deus do inferno? Mesmo quando eles mencionam o inferno, eles trazem suas próprias atenuações insanas como a reprovação passiva, o infralapsarianismo e o desagrado de Deus com o sofrimento que ele mesmo decidiu causar. Você pode chamar isso de “divergência teológica”, mas eu chamo de um espírito covarde associado a uma tremenda incapacidade de raciocínio lógico. Neste livro, eu argumentei, com toda a tranquilidade, que Deus concebeu os eleitos e os réprobos como dois grupos distintos, que ele concebeu os réprobos como tais, que ele ativamente os endurece com a finalidade de condená-los e torturá-los no inferno para sempre, e que ele realmente gosta disso. O ensino bíblico claro e consistente é esse. Se alguém reclamar, a resposta não é tergiversar sobre como “não é bem assim”, mas é “Quem é você para reclamar com Deus? Pode o vaso reclamar contra o oleiro? Pode o machado se levantar contra o lenhador?” (Rm 9.20–21; Is 10.15).

Jesus disse claramente que não devemos temer aqueles que só podem matar o corpo, antes devemos temer a Deus, que pode lançar corpo e alma no inferno. Mas os pastores e os seus discípulos não falam sobre o inferno, ou falam bem pouco e com uma voz amansada, porque temem aqueles que nem estão pensando em matar o corpo. Eles têm medo de ouvir broncas indignadas. Eles têm medo de cara feia. Que deprimente. Jesus, pelo contrário, ameaçou os homens mais respeitáveis — os grandes teólogos, a elite intelectual cristã, os ministrosdevidamente-ordenados, os reverendos doutores dos seminários — com o fogo do inferno, cheio de imprecações e ais. Ele falou todas essas coisas no meio de um jantar em que ele estava como convidado. Não apenas ele totalmente quebrou o decoro e fez todo mundo perder o apetite, como também fez isso sozinho, por conta própria, contra o grupo dos homens mais poderosos de Israel, homens que já estavam planejando matá-lo. Jesus chegou a dizer em outro momento que estava ansioso pelo fogo da ira de Deus começar a arder logo. Que pregador maravilhoso foi o nosso Senhor! Que homem maduro, poderoso, forte e destemido!

Quando eu tomo esse padrão de pregador e comparo com os pastores do nosso tempo, os quais erguem os olhos lânguidos para os respeitáveis procurando aprovação e que se encolhem diante da indignação de uma senhorinha, como posso ser comedido nas minhas críticas? Eles colocam a si mesmos como os modelos de piedade e sabedoria, e esse é o melhor que eles podem fazer? Esse é o máximo que alguém pode aspirar ser “parecido com Jesus”? Esses homens que ou se recusam a falar do inferno ou só falam o mínimo possível para poderem dizer que são diferentes daqueles nunca falam são covardes, efeminados. Não digo que são “mulherzinhas”, porque até as mulheres piedosas da Escritura eram mais “machos” do que esses homens. “Mariquinhas” seria mais apropriado.

Estou falando sério. Há um defeito de virilidade real em pastores assim. Eles não são homens com virtudes masculinas. Eles não são machos como Jesus. Eles não têm coragem. Eles não conseguem permanecer impassíveis diante de confrontos sérios. Eles não durariam uma semana lutando sozinhos contra o mundo, e quase todos os grandes homens de Deus na Escritura tiveram de fazer exatamente isso. Eles são obcecados com aprovação pública, muito mais do que com a aprovação de Deus. Eles só conseguem enxergar a si mesmos através dos olhos dos outros. Eles se alimentam do legado de Martinho Lutero e prestam homenagens a ele o tempo inteiro. Mas onde eles estariam se Lutero fosse como eles? Provavelmente ainda estariam adorando Maria e se curvando diante do papa. Eles só estão livres para pregar a Escritura com fidelidade porque Lutero mandou todo mundo para o inferno e permaneceu rígido como uma rocha. É por isso que nunca um novo Lutero se levantará no meio deles. Eles se acham os filhos dos reformadores, mas não passam de uma fanbase.

Ainda não acabei. Já que hoje em dia há tanto falatório sobre “masculinidade bíblica”, por que não colocar essas invectivas de Jesus como um parâmetro de masculinidade? E olhe que nem estou falando sobre derrubar mesas e bater nos hereges com chicotes, como ele fez. O fato de que Jesus fez isso demonstra que suas imprecações sobre o inferno ainda não eram o máximo que ele estava disposto a fazer. Mas concentre-se nessas cenas. Pergunte a si mesmo se o pastor, o oficial da igreja ou o professor de EBD sorridente faria o que Jesus fez. Será que ele fala sobre o inferno com frequência? E será que ele fala não só como um objeto de estudo doutrinário, mas como uma arma vocal para aterrorizar os descrentes e os crentes adormecidos? Se ele não faz essas coisas, ele não pode te ensinar sobre masculinidade bíblica. Ele não pode ajudar o seu filho adolescente a amadurecer. Ele não pode tornar você um marido mais parecido com Jesus. Homem que é homem cospe o fogo do inferno quando fala contra o pecado e a incredulidade. Você pode ver as fagulhas saindo da sua garganta quando ele grita contra os hereges, contra os reis deste mundo, contra os crentes preguiçosos. Se o seu pregador não faz isso, então não sei o que você está fazendo na igreja dele. Ele não tem nada a oferecer como líder e como modelo. Por trás de todas as aparências, ele é apenas um garotinho assustado.

Essa é uma repreensão que as mulheres também merecem. Fui mais duro com os homens porque estou falando de ministério pastoral. Mas as mulheres tendem a ser concessivas nessa área também. “Feminilidade bíblica” geralmente está associada a doçura, quietude, mansidão, compreensão. Faz sentido enfatizar essas coisas quando se está combatendo o feminismo. Mas a mulher bíblica madura também deve ser corajosa e destemida no anúncio da mensagem da ira. Especialmente porque elas tendem a conversar mais entre si e abrir mais o coração umas para as outras, devem estar atentas para repreender pecados e falar do inferno. Uma mulher não deve ter medo de perder uma amiga por isso. Com frequência, elas acobertam pecados umas das outras e aconselham com leniência e gentileza antibíblicas. Nisso, elas geralmente pecam mais do que os homens, que tendem a ser mais diretos e duros. No entanto, a Escritura não sugere em lugar algum que o inferno é um assunto exclusivamente masculino. Que o inferno brote da boca das mulheres também. Que se arrependam dos seus tremores e nervosismos com qualquer conflito e declarem a pena bíblica máxima contra o pecado das amigas.

A proclamação do inferno separa os homens dos meninos, e as mulheres das dondocas. Comece hoje a fazer parte do lado certo.

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16 A Casa Soturna, de Charles Dickens.
17 Deus, um Delírio.
18 A origem desse “abobalhamento” está na maneira como Stanley Hall, conhecido evolucionista, aplicou o mote ora desusado “a ontogênese recapitula a filogênese” na educação de crianças. Nesse esquema, uma criança tem mais em comum com um macaco — a infância da espécie humana — do que com um adulto humano. Confira a exposição de Rushdoony em The Messianic Character of American Education e faça as “tias” das “salinhas” da igreja lerem.

— Oliver Amorim. Inferno: A Câmara de Tortura de Deus. Ministério Poder e Liberdade (2023), p. 24–31.

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Filosofia Cristã

“Onde está o sábio? Onde está o mestre da lei? Onde está o filósofo desta era? Acaso Deus não tornou louca a sabedoria deste mundo?” (1 Coríntios 1:20 NVI)